Valadares oferece velório e enterro ‘virtual’


Imigrantes de Governador Valadares que vivem no exterior poderão acompanhar, pela internet, o velório e o enterro de amigos e parentes que ficaram no Brasil. O sistema de transmissão, em tempo real, das cerimônias entrou em operação á poucos dias. Em caráter experimental, permitiu que familiares de um aposentado de 84 anos “participassem” da despedida, mesmo vivendo nos estados de Alagoas e Tocantins. A expectativa é de que a tecnologia seja usada também por ex-moradores de Governador Valadares radicados em países como Portugal, Espanha e Estados Unidos.


“Claro que seria melhor se todos os sobrinhos e netos pudessem acompanhar o velório e o sepultamento daqui. Mas quem estava longe viu tudo pela internet, de dentro de casa, e se emocionou junto com a gente”, diz Hércules Soares Costa, 57 anos.


Ele explica que o tio, Petronilo Alcântara, morreu de problemas cardíacos e parentes de outros estados não encontraram voo para Minas Gerais. “Se não houvesse esse recurso, talvez tivéssemos que esperar até dois dias pela chegada da família, para fazer o sepultamento”, afirma. Duas horas do velório, na capela do Cemitério Santo Antônio, foram transmitidas on line. O mesmo aconteceu com o cortejo.
Apesar de a primeira transmissão ao vivo de uma cerimônia fúnebre ter ficado restrita ao Brasil, a Funerária Gonzaga, responsável pelo serviço, tem como público-alvo os mais de 40 mil valadarenses que moram no exterior – 15% da população do município.


A transmissão deve beneficiar principalmente quem deixou a terra natal de forma clandestina, e não pode arriscar uma visita aos familiares e em seguida retornar para o país onde trabalha. Levantamento da Associação de Parentes e Amigos dos Imigrantes, entidade sem fins lucrativos fundada há cinco anos, aponta que mais de 80% das pessoas de Governador Valadares que estão fora do Brasil vivem ilegalmente no exterior.


“A transmissão é um alento para quem não pode voltar. Além da imagem, captamos o áudio e damos uma sensação de interatividade com quem está presente ao velório, o que deixa tudo bem próximo da realidade”, diz o dono da funerária, Eres Gonzaga. O contratante desembolsa R$ 100 por hora de transmissão. O sinal captado pela tecnologia de internet sem fio (wireless) é enviado para um provedor nos EUA.


O empresário conta que no fim de semana da primeira transmissão, o site que mostrou as imagens do sepultamento teve quase 300 acessos, a maioria de gente do México, Estados Unidos e Portugal. Agora, a empresa estuda a possibilidade de divulgar, em tempo real, casamentos e festas de 15 anos. Já oferece o serviço para cidades próximas a Governador Valadares e, em breve, quer atingir até a zona rural.


“Estamos otimistas. Tanto que investimos na compra de mais câmeras giratórias e sistemas de transmissão de imagens com alta velocidade. Montamos uma equipe de profissionais apenas para esse tipo de operação”, diz Eres Gonzaga.


Como a montagem do equipamento é fácil e rápida, o velório pode ser feito no local que a família desejar. “Além de ver, quem está fora poderá ouvir, por exemplo, a pregação do religioso no momento do enterro”, diz. A despedida virtual também permite acessar uma sala de bate-papo, para teclar com as pessoas que estão na capela.


Transmissão em tempo real ‘encurta’ distâncias


A transmissão ao vivo de velórios e enterros servirá de alento para pessoas como Jaime Francisco, 56 anos. Com o dinheiro que acumulou nos 30 anos em que viveu nos Estados Unidos, trabalhando 16 horas por dia na construção civil, ele conseguiu ter uma casa própria e uma reserva de dinheiro para retornar ao Brasil. Só não esperava que antes de alcançar os objetivos, a mãe, Célia, que ficou em Governador Valadares, não resistisse a um acidente vascular cerebral.


Como ainda estava ilegal nos EUA, Jaime não pôde participar do sepultamento. “Vai ficar sempre esse vazio dentro de mim. Não importa o quanto ganhei, isso é muito pequeno diante da situação de um filho nunca mais poder ver a mãe”.


Jaime deixou Valadares no fim dos anos 1970 e a mãe dele morreu em 1987. Hoje, o valadarense mora em Tumiritinga, no Leste do Estado. “Se naquela época tivesse a chance de ver a minha mãe, nem que fosse pela internet, não teria a consciência tão pesada. Na América, a gente até ganha dinheiro, mas abre mão de muita coisa”.


Situação parecida foi enfrentada por dois irmãos da aposentada Creuza Miranda, que moram em Massachusetts, nos EUA. Há um mês, a mãe deles morreu. “Como meus irmãos estão ilegais, se saíssem dos EUA, não conseguiriam voltar”, diz Creuza, que também já morou no estrangeiro. “Quem está lá fora tem vontade de ver as coisas no Brasil. O sistema de transmissão pela internet vai ser um alívio para muita gente”.


Nas ruas de Valadares, a inovação trazida pela funerária agradou aos moradores. O pintor Charles Caetano, 28 anos, morou quatro anos no estado americano da Flórida. Foi quando perdeu o pai. “Pedi a meu irmão que fotografasse o velório, mas não é a mesma coisa. Se agora temos a internet para diminuir a distância, por quê não usar?”, argumenta o pintor, que já pensa em contratar o serviço para registrar o aniversário de cinco anos da filha, em dezembro. “Será que podem transmitir festas? A mãe da minha filha está em Portugal e iria gostar da surpresa”.

0 comentários: